domingo, 25 de outubro de 2015

Depois da escola, uma criança na Grande Porto Alegre dos anos 70

Elisa Kopplin Ferraretto

Cheguei em casa, tirei o eslaque e a japona do uniforme do colégio. Choveu um pouco durante o dia e, como não fui de galocha, as congas estavam molhadas; então coloquei-as atrás da geladeira pra secar, pensando: "Não posso esquecer de, mais tarde, esfregar giz nelas, para ficarem branquinhas de novo".



Fui tomar banho e, como fazia frio, coloquei álcool em uma frigideira e taquei fogo pra aquecer o banheiro. Lavei meu cabelo com xampu Silhueta e passei bastante creme rinse Colorama, aquele do “vocês se lembram da minha voz?”. Junto com o sabonete Alma de Flores e o desodorante Cashmere Bouquet, que cheirinho bom!





Botei uma brim coringa, um pulôver e o guidis e fui assistir o "Sítio do Pica-pau Amarelo". Adoro essa história do anjinho que repete: "Quero voltar pro céu... Saudade!!!".


Depois, para aproveitar o solzinho que apareceu no final de tarde, fui para o pátio brincar um pouco. Estava com uma fominha, pena que não era época de amoras pra subir no pé e sair de lá com a barriga estourando e as mãos roxas. Mas ouvi um barulhinho... Tac-tac-tac... O homem da casquinha!!! "Mãe, posso comprar uma?" "Não, guria, daqui a pouco é hora da janta! Mas te faço uma batida de banana. Aliás, vai esperar o leiteiro".
Fui. A carroça estava mesmo chegando, o leiteiro despejou dois litros de leite de nossa jarra verde, que botei na geladeira. Dali a umas horas, uma camada de nata estaria formada por cima do leite, e todos os dias era tarefa minha retirá-la para mais tarde comermos no pão, com chimia de uva. A mãe deixou eu ficar com as moedas do troco, que coloquei no meu cofrinho da Fin-Hab. Estou juntando para comprar uma Suse noiva. Quem não quer ter uma???


As crianças da vizinhança foram aparecendo e brincamos de cabra-cega e polícia-ladrão. Uma guria preferia fita ou passar anel, mas os guris não toparam. Amanhã, prometeram, a gente brinca de ovo podre (“Tá fedendo!”).
À noite, depois de jantar e lavar a louça, assisti o “”Planeta dos Homens” com minha família. Múmia paralítica, o macaco tá certo, não me comprometa, não precisa explicar – eu só queria entender, tem pai que é cego, cala-te boca, amancebou-se... Que sarro eram aqueles bordões!!!
E depois era hora de criança dormir. Exceto nos sábados, quando me deixavam ver “Primeira Exibição”, “Sessão de Gala” e até “Sessão Coruja”!!!


Se você não reconheceu algumas palavras e marcas ou não entendeu situações narradas nesse textinho, não se preocupe. Talvez ele seja mesmo indecifrável para quem nem tinha nascido nos anos 1970. Mas quem teve sua infância nessa década certamente voltou um pouquinho no tempo.

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