sábado, 31 de outubro de 2015

A Wikipedia de outros tempos

Luiz Artur Ferraretto

Já ouvi muitas vezes que a Wikipedia é uma espécie de "Encyclopédie, ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers", aquela, a de D'Alembert e de Diderot. Pela imprecisão e pela disseminação, meio senso comum, do conhecimento proporcionadas por este serviço, no entanto, a Wikipedia me lembra mais os velhos almanaques. E estes, me parece, eram bem mais simpáticos. Vejam só, por exemplo, as curiosidades oferecidas pela edição de 1958 do "Almanaque Eu sei tudo", várias delas citadas na capa.



Onde você iria achar coisas tão úteis como textos sobre as principais medalhas brasileiras ou a respeito de ex-libris? 




Ah, você não sabe o que é um ex-libris... Bom, vai, então, dar uma olhada na Wikipedia. Já a palavra "almanaque" nem precisa procurar. Embora, no imaginário popular, remeta àquelas publicações distribuídas em farmácias, como esta aqui de baixo, trata-se de uma coleção de informações.



A ideia de almanaque associa-se, por tradição, à de brinde, algo a ser ofertado ao cliente, em geral, no final de ano, contendo no seu interior informações relacionadas aos meses, às estações etc. Algumas destas publicações, ao contrário, tornavam-se tão atrativas que eram comercializadas, como esta da Bertrand, uma das mais importantes editoras em língua portuguesa do mundo.


Mas, para ir ao encontro do início deste texto, interessam mesmo são os deste tipo, aqueles que se propunham a ser uma espécie de enciclopédia compacta.




Com toda a tecnologia disponível, tanto os almanaquinhos de balcão de farmácia quanto os almanacões enciclopédicos seguem existindo. São formas populares de consulta. Sem conexões em código binário e parafernálias eletrônicas.

domingo, 25 de outubro de 2015

Depois da escola, uma criança na Grande Porto Alegre dos anos 70

Elisa Kopplin Ferraretto

Cheguei em casa, tirei o eslaque e a japona do uniforme do colégio. Choveu um pouco durante o dia e, como não fui de galocha, as congas estavam molhadas; então coloquei-as atrás da geladeira pra secar, pensando: "Não posso esquecer de, mais tarde, esfregar giz nelas, para ficarem branquinhas de novo".



Fui tomar banho e, como fazia frio, coloquei álcool em uma frigideira e taquei fogo pra aquecer o banheiro. Lavei meu cabelo com xampu Silhueta e passei bastante creme rinse Colorama, aquele do “vocês se lembram da minha voz?”. Junto com o sabonete Alma de Flores e o desodorante Cashmere Bouquet, que cheirinho bom!





Botei uma brim coringa, um pulôver e o guidis e fui assistir o "Sítio do Pica-pau Amarelo". Adoro essa história do anjinho que repete: "Quero voltar pro céu... Saudade!!!".


Depois, para aproveitar o solzinho que apareceu no final de tarde, fui para o pátio brincar um pouco. Estava com uma fominha, pena que não era época de amoras pra subir no pé e sair de lá com a barriga estourando e as mãos roxas. Mas ouvi um barulhinho... Tac-tac-tac... O homem da casquinha!!! "Mãe, posso comprar uma?" "Não, guria, daqui a pouco é hora da janta! Mas te faço uma batida de banana. Aliás, vai esperar o leiteiro".
Fui. A carroça estava mesmo chegando, o leiteiro despejou dois litros de leite de nossa jarra verde, que botei na geladeira. Dali a umas horas, uma camada de nata estaria formada por cima do leite, e todos os dias era tarefa minha retirá-la para mais tarde comermos no pão, com chimia de uva. A mãe deixou eu ficar com as moedas do troco, que coloquei no meu cofrinho da Fin-Hab. Estou juntando para comprar uma Suse noiva. Quem não quer ter uma???


As crianças da vizinhança foram aparecendo e brincamos de cabra-cega e polícia-ladrão. Uma guria preferia fita ou passar anel, mas os guris não toparam. Amanhã, prometeram, a gente brinca de ovo podre (“Tá fedendo!”).
À noite, depois de jantar e lavar a louça, assisti o “”Planeta dos Homens” com minha família. Múmia paralítica, o macaco tá certo, não me comprometa, não precisa explicar – eu só queria entender, tem pai que é cego, cala-te boca, amancebou-se... Que sarro eram aqueles bordões!!!
E depois era hora de criança dormir. Exceto nos sábados, quando me deixavam ver “Primeira Exibição”, “Sessão de Gala” e até “Sessão Coruja”!!!


Se você não reconheceu algumas palavras e marcas ou não entendeu situações narradas nesse textinho, não se preocupe. Talvez ele seja mesmo indecifrável para quem nem tinha nascido nos anos 1970. Mas quem teve sua infância nessa década certamente voltou um pouquinho no tempo.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Eu, a Madame Min, a Bruxa Má e uma sacerdotisa vulcana

Luiz Artur Ferraretto

Tive o privilégio de conhecê-las em uma tarde carioca de setembro de 1998. No entanto, ao sair daquele edifício no centro do Rio, eu não sabia disso. Havia passado umas duas ou três horas com a Madame Min, de "A Espada era a Lei"; com a Bruxa Má, de "Branca de Neve e os Sete Anões"; e com uma sacerdotisa vulcana, de "Jornada nas Estrelas". E eu pensando que entrevistara uma das pioneiras do radioteatro brasileiro, atriz admirada pelo grande Chico Anysio e figura frequente de várias atrações da Rede Globo.
Esther Daniotti Borges ou Estelita Bell, seu nome artístico, era muito mais. Fazia parte da minha infância e da de milhares de crianças dos anos 1960, 1970 e 1980. A fundadora do "Teatro Farroupilha", primeiro programa do gênero no rádio do Rio Grande do Sul, me pareceu uma daquelas pessoas energéticas. Viúva do ator e diretor Pery Borges, emocionou-se várias vezes ao lembrar do marido e do carinho dos fãs dos tempos da PRF-9 - Rádio Difusora Porto-alegrense, onde começaram a carreira, e da PRH-2 - Rádio Sociedade Farroupilha, na qual atraiam enormes audiências a cada noite de domingo com aquele teatro cego, como se dizia então.
Dona Estelita tinha algo da imagem que sempre atribui à Madame Min, mais uma tia querida algo extravagante do que uma pessoa malvada.



Essa outra sequência de "A Espada era a Lei", a do duelo de magia, sempre foi a minha favorita. Depois de conhecer a pessoa por trás da voz, passei a torcer ainda mais pela Madame Min contra o Mago Merlin.




Já a Bruxa Má me apavorava em "Branca de Neve e os Sete Anões".


Agora, para quem, como eu, na adolescência, queria ser o Sr. Spock, é o máximo saber que passou uma tarde com uma sacerdotisa do planeta Vulcano, pelo menos com a voz dela.


 

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Eternas matinês (2) - Que criança dos anos 70 não quis ser herdeira de Willy Wonka?

Elisa Kopplin Ferraretto


Volta e meia, na década de 1970, uma Sessão da Tarde da vida reprisava o filme "A Fantástica Fábrica de Chocolate". E a gente assistia de novo e de novo, sabendo de cor cada musiquinha e até mesmo as falas dos personagens.
Veruca, Augustus, Violet, Mike e Charlie eram crianças de sorte. Acharam os cinco cupons dourados escondidos nas barras de chocolate Wonka, o que lhes deu o direito de visitarem a misteriosa fábrica do excêntrico Willy Wonka.


Lá, viram rios e cascatas de chocolate, cogumelos de açúcar, inventos espetaculares, máquinas fabulosas...ah, e os Umpa Lumpas, homenzinhos com penteados esquisitos e sobrancelhas brancas, responsáveis pela produção do chocolate mais delicioso do mundo.




Um a um, os garotos vão desrespeitando os avisos e proibições do sr. Wonka e sendo eliminados do grupo. Augustus, glutão, se debruça para beber direto do rio de chocolate e cai lá dentro, acabando sugado pelos dutos que o mandam para fora da fábrica. Violet rouba um chiclete que vale por uma refeição, mas ainda está em fase de teste - a sobremesa, uma torta de amora, ainda tem problemas e a menina vira um enorme amora que precisa ser levada para a sala de caldas (para espremer, como explica Wonka). Numa máquina experimental que transmite objetos para dentro da TV, Mike resolve ser o primeiro humano a passar pelo processo e e tem seu tamanho reduzido, e Wonka o manda para a sala de balas puxa-puxa, para ser esticado. A rica e mimada Veruca quer tudo para si, arma a maior bagunça e, ao subir numa balança especial, esta a identifica como um "ovo podre", despachando-a para a lixeira.
Charlie quase cai na tentação de contrabandear um novo doce para um espião lá fora, mas na última hora se arrepende. Wily Wonka, então, o escolhe como seu sucessor na direção da fábrica. Eles entram num elevador de vidro que sobe, sobe, até romper o telhado e ganhar os céus.
O que acontece a partir daí não está no filme, mas pode ser conferido no livro "Charlie e o Grande Elevador de Vidro", que Roald Dahl escreveu na sequência de "A Fantástica Fábrica de Chocolate".


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

A minha geração

Luiz Artur Ferraretto

"Somos um bando, um bando, um bando e muitos outros." Estas palavras não saíam da minha cabeça, nem dentro do primeiro ônibus, do Teatro Renascença até o centro de Porto Alegre, nem dentro do segundo, do centro de Porto Alegre até a parada meio perdida na esquina da Santos Dumont com a Venâncio Aires, no interior de Canoas, na época, a 30 ou 40 minutos de sacode-sacode naquele Vicasão com reboque. Era como se eu tivesse encontrado a minha tribo naquela noite de 1983. Iria passar o resto do ano falando da peça "Trenaflor", a segunda do grupo Vende-se Sonhos. Ninguém, em Rio Grande, onde eu morava e cursava o terceiro ano de Eletrotécnica no Colégio Técnico Industrial, entenderia bem o que eu sentia. Para a maioria dos meus amigos, já havia sido uma loucura considerável aquele negócio de um dos CDFs da turma decidir fazer Jornalismo. E passar a estudar dobrado em função disto. Naquela noite de 1982, com meus 16 anos, eu comecei a vir morar em Porto Alegre.


A música de Bebeto Alves saiu do sistema de som do Teatro Renascença e seguiu - segue ainda - ecoando na minha cabeça. É, de certo modo, o meu "My generation" particular, sem John Entwistle, Keith Moon, Pete Townshend ou Roger Daltrey: "Just because we get around" e "Hope I die before I get old". Ecoava ainda quando eu assisti os filmes em Super-8 "Deu pra ti, anos 70" e "Inverno". Ecoava quando eu entrei, pela primeira vez, no Bristol, onde, tempos depois, revendo "Hair", me daria conta de como havia envelhecido. Estava já com 19 anos.



Antes, no entanto, precisei ultrapassar a enorme distância entre Rio Grande e Porto Alegre com um vestibular no meio. 
Já morando na capital gaúcha, depois de chegar do interior "inocente, puro e besta", como na canção do Raul, não sei se em uma sessão das dez, assisti "Verdes Anos". Foi como se a música de Bebeto Alves fosse uma espécie de base incidental da de Nei Lisboa.




Com o tempo, passadas décadas, ainda ecoando "Somos um bando, um bando e muitos outros", passei a rever com frequência outro Super-8 gaúcho, o meu favorito: "Inverno". Quando os personagens de Werner Schunemann e Luciane Adami passeiam pela cidade, aquela é a Porto Alegre na qual eu sonhava morar ao ler sobre peças, filmes e shows nos jornais "Folha da Manhã" e "Folha da Tarde". Para quem conhece o filme, explico que, hoje, vivo naquela Montevidéu sonhada pelo jornalista de 24 anos do Super-8 em seus doze dias de frio em Porto Alegre. Sigo, no entanto, procurando aquela rambla da margem de cá do Río de la Plata. E ela aparece em algum passeio pela Rua da Praia, infelizmente não mais aquela outra, a do início dos anos 1980.