É um dos meus gibis favoritos, não só por eu sempre ter sido fã do Super-Homem, o de sempre e anterior à última e desastrosa de suas reencarnações. Na época, a Editora Brasil-América ocupava o primeiro lugar disparado na preferência dos fãs de quadrinhos com suas revistas ainda em formato americano, mas predominantemente em preto e branco. Coisas daqueles tempos, talvez de maior respeito com o idioma falado por aqui, a Ebal grafava o nome do personagem em português dentro das revistas, embora mantivesse, na denominação de suas publicações, por vezes, a expressão original em inglês. Um ou dois anos após a sua publicação, comprei esse "Almanaque de Superman para 1974" usado, aliás, diga-se de passagem, muito usado. Só, décadas depois, consegui ter uma ideia da exuberância, para os padrões de então, da sua capa. Foi graças ao trabalho do pessoal do Guia Ebal , iniciativa que pretende escanear todo o acervo da editora e disponibilizá-lo na internet. Se você ficar curioso a respeito desse gibi e quiser lê-lo, dê uma passada por lá.
Na capa do meu exemplar, além de nomes de proprietários
anteriores, há duas outras marcas que me fazem voltar àquela época e a
Rio Grande: a do preço que paguei – dois cruzeiros –,
escrito a caneta pelo Seu Walter, dono do Bazar Glória, situado ao lado
do cinema de mesmo nome; e o carimbo do Padilha, outro tradicional
ponto de venda de jornais e revistas, por onde a revista deve ter
passado primeiro.
A revista em si é, basicamente, pura ficção científica, com cinco estórias distribuídas nas suas cem páginas e protagonizadas pelo primeiro dos grandes super-heróis: "A vida do Super-Homem em Krypton", "Super-Homem volta a Krypton", "A história do Super-Homem", "O primeiro super-homem de Krypton" e "No País do Super-Homem".
As estórias, todas dos anos 1950 e talvez do início dos 1960, tinham certo grau de ingenuidade esperançosa, parecendo apostar no melhor do ser humano e associando progresso ao conhecimento e à tecnologia. São da época do flerte discreto entre a repórter Miriam Lane e o Super-Homem, que deixava entrever certo romantismo idealizado. Sim. Por medo de que o substantivo próprio feminino Lois fosse confundido com o masculino Louis, os editores da empresa de Adolfo Aizen há anos trocavam o nome da repórter e namorada de Super-Homem para Miriam.
A vida do Super-Homem em Krypton
Na aventura que abre o almanaque, Batman e Robin sugerem que o supercérebro da Fortaleza da Solidão, o refúgio do Super-Homem no Ártico, seja alimentado com fotografias de Krypton tiradas alcançando os raios de luz que deixavam o planeta antes de sua explosão. Assim, o computador mostra como teria sido a vida de Kal-El se Krypton jamais tivesse explodido. Há um personagem, Futurus, que se transforma no principal herói kryptoniano, Miriam Lane dá as caras no planeta e acaba casando-se com ele e retornando para a Terra. Kal-El, por sua vez, ganha poderes semelhantes aos de Futurus e assume a identidade de Super-Homem em Krypton.
Super-Homem volta a Krypton
A segunda aventura não se enquadra, como a anterior, no que era considerado, tanto pelos editores nos Estados Unidos quanto no Brasil, como uma "história imaginária", ou seja, algo fora da cronologia do personagem, embora esta fosse bem flexível até os anos 1970. Aqui, vale um pequeno esclarecimento: como aparece explicado em alguns gibis, a Ebal adotava sempre o vocábulo "história", independentemente de narrativa ficcional ou não, por considerar "estória" um estrangerismo oriundo do inglês "story". Na narrativa, Super-Homem volta no tempo, chega a Krypton, conhece seus pais Jor-El e Lara Lor-Van, envolve-se com uma atriz de cinema e por pouco não morre quando o planeta explode. Os pais do Super-Homem chegam mesmo a ter uma reação apresentada como instintiva em relação àquele estranho que, sem ser parente dos El, apresenta-se com o nome Kal-El, logo sugerido por Lara para batizar o filho.A história do Super-Homem
Já esta HQ traz a versão tida dos anos 1950 até então como a origem do Super-Homem: da destruição de Krypton à chegada à Terra, onde é encontrado pelo casal de fazendeiros Jonathan e Martha Kent, que criam o bebê alienígena, rebatizado de Clark, e dão a ele uma formação bem "American way of life". Apresenta ainda a adolescência do herói em Pequenópolis, denominação adotada na época para a cidade de Smallville. Mostra o surgimento de Superboy, a morte de Jonathan e Martha, a transferência do Super-Homem para Metrópolis e o início de carreira de Clark Kent como repórter do Planeta Diário.O primeiro super-homem de Krypton
Divertida estória em que o Super-Homem descobre, no espaço, destroços do planeta Krypton. Coincidência das coincidências, entre o material, encontram-se os restos do laboratório de Jor-El e, perfeitamente preservados, um diário e um filme, narrando experiências a respeito do comportamento da fisiologia kryptoniana na gravidade da Terra. Daí, a ideia de que Jor-El, com poderes graças à simulação, tenha sido o "primeiro super-homem de Krypton", título da HQ.
Na narrativa, que, como a anterior, é mais curta do que as duas iniciais da edição, há dois quadrinhos inesquecíveis para mim. Um deles é o em que um garoto de três anos não sabe resolver uma "simples equação atômica". Lembro com muita frequência desta ideia comum nos quadrinhos e na ficção científica de que os jovens seriam, com a evolução do conhecimento e da tecnologia, intelectualmente capazes bem mais cedo. É o contrário da sociedade de hoje, na qual, não raro, a falta de maturidade de gente com 20 anos é vista como algo corriqueiro e normal. Outra imagem forte, apesar do preto e branco da edição brasileira, traz Jor-El trabalhando, tendo ao fundo a pirotecnia das comemorações dos 10 mil anos de Krypton.
No País do Super-Homem
Está última HQ do "Almanaque de Superman para 1974" é de uma chatice atroz. Tá bom. É um pouco de má vontade de minha parte. Acho um porre essa coisa de parque temático e o tal País do Super-Homem do título aparece como uma atração deste tipo em Metrópolis. Resumindo: Lex Luthor, o arqui-inimigo do Super-Homem, tenta matá-lo, usando kryptonita, o herói salva-se e prende o vilão.
Anúncios e outras curiosidades
Para os saudosistas, como eu, e para os que desconhecem esta parte da história dos gibis no Brasil, vale lembrar algumas particularidades da Ebal e de suas publicações. Empresa que lançou a maioria dos principais personagens de quadrinhos do país – talvez, a exceção sejam os criados por Mauricio de Sousa –, a editora pertencente a Adolfo Aizen ainda via, no início dos anos 1970, suas publicações como algo mais infantojuvenil. Daí, inserir uma série de anúncios – de rodapé, um terço de página e página inteira – de livrinhos para crianças, além de algumas estórias humorísticas curtas. Estas últimas, sempre achei de uma total falta de graça.
A indicar uma mudança necessária, mas que a
Ebal não soube acompanhar, a contracapa traz o anúncio do almanaque em
cores do Homem-Aranha, da Marvel, linha de quadrinhos que, logo, teria a publicação suspensa pela editora. No verso, na penúltima página, a contrastar, como em edições especiais semelhantes publicadas nas décadas de 1930 e 1940, o "Almanaque de Superman para 1974" apresenta um singelo calendário.
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