sexta-feira, 31 de julho de 2015

O Almanaque de Superman de 1974, da EBAL

Luiz Artur Ferraretto

É um dos meus gibis favoritos, não só por eu sempre ter sido fã do Super-Homem, o de sempre e anterior à última e desastrosa de suas reencarnações. Na época, a Editora Brasil-América ocupava o primeiro lugar disparado na preferência dos fãs de quadrinhos com suas revistas ainda em formato americano, mas predominantemente em preto e branco. Coisas daqueles tempos, talvez de maior respeito com o idioma falado por aqui, a Ebal grafava o nome do personagem em português dentro das revistas, embora mantivesse, na denominação de suas publicações, por vezes, a expressão original em inglês. Um ou dois anos após a sua publicação, comprei esse "Almanaque de Superman para 1974" usado, aliás, diga-se de passagem, muito usado. Só, décadas depois, consegui ter uma ideia da exuberância, para os padrões de então, da sua capa. Foi graças ao trabalho do pessoal do Guia Ebal , iniciativa que pretende escanear todo o acervo da editora e disponibilizá-lo na internet. Se você ficar curioso a respeito desse gibi e quiser lê-lo, dê uma passada por lá.



Na capa do meu exemplar, além de nomes de proprietários anteriores, há duas outras marcas que me fazem voltar àquela época e a Rio Grande: a do preço que paguei dois cruzeiros , escrito a caneta pelo Seu Walter, dono do Bazar Glória, situado ao lado do cinema de mesmo nome; e o carimbo do Padilha, outro tradicional ponto de venda de jornais e revistas, por onde a revista deve ter passado primeiro.


O texto preparado para o editor e publicado na página 2 dá bem o clima da revista. Estes almanaques anuais eram esperadíssimos pelos leitores da época. A Ebal vivia um momento especial com a publicação de uma série de álbuns em capa cartonada e trazendo personagens clássicos dos anos 1930 como Flash Gordon e o Príncipe Valente.


A revista em si é, basicamente, pura ficção científica, com cinco estórias distribuídas nas suas cem páginas e protagonizadas pelo primeiro dos grandes super-heróis: "A vida do Super-Homem em Krypton", "Super-Homem volta a Krypton", "A história do Super-Homem", "O primeiro super-homem de Krypton" e "No País do Super-Homem".
 
 
 
 

As estórias, todas dos anos 1950 e talvez do início dos 1960, tinham certo grau de ingenuidade esperançosa, parecendo apostar no melhor do ser humano e associando progresso ao conhecimento e à tecnologia. São da época do flerte discreto entre a repórter Miriam Lane e o Super-Homem, que deixava entrever certo romantismo idealizado. Sim. Por medo de que o substantivo próprio feminino Lois fosse confundido com o masculino Louis, os editores da empresa de Adolfo Aizen há anos trocavam o nome da repórter e namorada de Super-Homem para Miriam.

A vida do Super-Homem em Krypton


Na aventura que abre o almanaque, Batman e Robin sugerem que o supercérebro da Fortaleza da Solidão, o refúgio do Super-Homem no Ártico, seja alimentado com fotografias de Krypton tiradas alcançando os raios de luz que deixavam o planeta antes de sua explosão. Assim, o computador mostra como teria sido a vida de Kal-El se Krypton jamais tivesse explodido. Há um personagem, Futurus, que se transforma no principal herói kryptoniano, Miriam Lane dá as caras no planeta e acaba casando-se com ele e retornando para a Terra. Kal-El, por sua vez, ganha poderes semelhantes aos de Futurus e assume a identidade de Super-Homem em Krypton.






Super-Homem volta a Krypton

A segunda aventura não se enquadra, como a anterior, no que era considerado, tanto pelos editores nos Estados Unidos quanto no Brasil, como uma "história imaginária", ou seja, algo fora da cronologia do personagem, embora esta fosse bem flexível até os anos 1970. Aqui, vale um pequeno esclarecimento: como aparece explicado em alguns gibis, a Ebal adotava sempre o vocábulo "história", independentemente de narrativa ficcional ou não, por considerar "estória" um estrangerismo oriundo do inglês "story". Na narrativa, Super-Homem volta no tempo, chega a Krypton, conhece seus pais Jor-El e Lara Lor-Van, envolve-se com uma atriz de cinema e por pouco não morre quando o planeta explode. Os pais do Super-Homem chegam mesmo a ter uma reação apresentada como instintiva em relação àquele estranho que, sem ser parente dos El, apresenta-se com o nome Kal-El, logo sugerido por Lara para batizar o filho.






A história do Super-Homem

Já esta HQ traz a versão tida dos anos 1950 até então como a origem do Super-Homem: da destruição de Krypton à chegada à Terra, onde é encontrado pelo casal de fazendeiros Jonathan e Martha Kent, que criam o bebê alienígena, rebatizado de Clark, e dão a ele uma formação bem "American way of life". Apresenta ainda a adolescência do herói em Pequenópolis, denominação adotada na época para a cidade de Smallville. Mostra o surgimento de Superboy, a morte de Jonathan e Martha, a transferência do Super-Homem para Metrópolis e o início de carreira de Clark Kent como repórter do Planeta Diário.




O primeiro super-homem de Krypton

Divertida estória em que o Super-Homem descobre, no espaço, destroços do planeta Krypton. Coincidência das coincidências, entre o material, encontram-se os restos do laboratório de Jor-El e, perfeitamente preservados, um diário e um filme, narrando experiências a respeito do comportamento da fisiologia kryptoniana na gravidade da Terra. Daí, a ideia de que Jor-El, com poderes graças à simulação, tenha sido o "primeiro super-homem de Krypton", título da HQ.


Na narrativa, que, como a anterior, é mais curta do que as duas iniciais da edição, há dois quadrinhos inesquecíveis para mim. Um deles é o em que um garoto de três anos não sabe resolver uma "simples equação atômica". Lembro com muita frequência desta ideia comum nos quadrinhos e na ficção científica de que os jovens seriam, com a evolução do conhecimento e da tecnologia, intelectualmente capazes bem mais cedo. É o contrário da sociedade de hoje, na qual, não raro, a falta de maturidade de gente com 20 anos é vista como algo corriqueiro e normal. Outra imagem forte, apesar do preto e branco da edição brasileira, traz Jor-El trabalhando, tendo ao fundo a pirotecnia das comemorações dos 10 mil anos de Krypton.


No País do Super-Homem

Está última HQ do "Almanaque de Superman para 1974" é de uma chatice atroz. Tá bom. É um pouco de má vontade de minha parte. Acho um porre essa coisa de parque temático e o tal País do Super-Homem do título aparece como uma atração deste tipo em Metrópolis. Resumindo: Lex Luthor, o arqui-inimigo do Super-Homem, tenta matá-lo, usando kryptonita, o herói salva-se e prende o vilão.


Anúncios e outras curiosidades

Para os saudosistas, como eu, e para os que desconhecem esta parte da história dos gibis no Brasil, vale lembrar algumas particularidades da Ebal e de suas publicações. Empresa que lançou a maioria dos principais personagens de quadrinhos do país talvez, a exceção sejam os criados por Mauricio de Sousa , a editora pertencente a Adolfo Aizen ainda via, no início dos anos 1970, suas publicações como algo mais infantojuvenil. Daí, inserir uma série de anúncios de rodapé, um terço de página e página inteira de livrinhos para crianças, além de algumas estórias humorísticas curtas. Estas últimas, sempre achei de uma total falta de graça.




 

A indicar uma mudança necessária, mas que a Ebal não soube acompanhar, a contracapa traz o anúncio do almanaque em cores do Homem-Aranha, da Marvel, linha de quadrinhos que, logo, teria a publicação suspensa pela editora. No verso, na penúltima página, a contrastar, como em edições especiais semelhantes publicadas nas décadas de 1930 e 1940, o "Almanaque de Superman para 1974" apresenta um singelo calendário.


quinta-feira, 30 de julho de 2015

Em Quintana, a descoberta da poesia

Elisa Kopplin Ferraretto

A capa colada com fita adesiva denuncia, mais do que a idade do livro, o seu intenso manuseio. Foi em 1976 que ganhei a antologia "Poesias", de Mario Quintana, no qual a Editora Globo reuniu, em 1975, os livros "A Rua dos Cataventos", "Canções", "Sapato Florido", "Espelho Mágico" e "O Aprendiz de Feiticeiro". Não tenho certeza se o presente foi de minha mãe, Miriam Kopplin, ou de minha tia Jane Beatriz Haas, que me levou à Feira do Livro de Porto Alegre. Mas o certo é que foi minha porta de entrada no mundo da poesia.

  

Voltei a folhear a obra hoje, 30 de julho de 2015, data do 109° aniversário de nascimento do poeta, e reli os dois poemas que mais me impressionaram lá nos meus oito anos.

Envelhecer
Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas.

Velha história
Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho! Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quentinho. E desde então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no "17"!... - o homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando o peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial...
Ora, um dia o homem e o peixinho passeavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho:
"Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo ao carinho do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!...
"Dito isto, verteu copioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho nágua. E a água fez um redemoinho, que foi depois serenando, serenando...até que o peixinho morreu afogado..

Estas palavras me enfeitiçavam. Fantasmas, um peixinho a trote pelas calçadas, um homem de muitas mãos... Reli-as centenas de vezes, procurando, na minha ingenuidade infantil, compreender os segredos que os versos ao mesmo tempo escondiam e revelavam sobre a vida e a morte, a amizade e a solidão, o fim da juventude e a dificuldade de tomar decisões na idade adulta...

Descobri, assim, que poesia é magia. "Ser poeta é saber ver o mundo como o veem os anjos, as fadas, e ao mesmo tempo possuir o dom de comunicar a quem lê o que ele vê e sente, em resumo, é ter olhos para revelar a face secreta das pessoas e das coisas. [...] Quintana é também um mágico, só que suas mágicas são feitas com palavras", esclareceu o mago da prosa Erico Verissimo, no prefácio de outro livro de Mario Quintana, editado igualmente em 1975 pela Garatuja. "Pé de Pilão" foi escrito especialmente para crianças, com ilustrações de Edgar Koetz. Li e reli este delicioso livrinho até a exaustão, e ainda hoje lembro de cabeça os sonoros versos iniciais, que estão gravados também em um velho elepê (este comprado em um sebo já na idade adulta).





Há uns anos, o Luiz apareceu com um áudio do programa "Discorama", da Guaíba, no dia do lançamento de "Pé de Pilão".


Desde 1994, quando Quintana se foi, é um dos fantasmas para quem adoro servir um chazinho de vez em quando.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

A Coleção Livro Dourado, da Melhoramentos

Luiz Artur Ferraretto
 
Era certo. Ia com a minha mãe no Supermercado Guanabara, a umas quadras de casa, em Rio Grande, e corria ou para a prateleira dos chocolates ou para a dos brinquedos ou para a dos livrinhos infantis. Destes últimos, conservo a maioria. Foram, junto com os gibis, a base do meu interesse pela leitura, logo a envolver também literatura de mais fôlego. Alguns deles são da Coleção Livro Dourado, da Melhoramentos, que se dividia acho em duas séries: a Mirim, mais voltada ao lazer mesmo, e uma outra, com alguma preocupação educativa. Pelo menos, é o que indica a contracapa dos livrinhos.




No verso da primeira capa, cada livro trazia um espaço para a criança daqueles tempos colocar o seu nome.


Obviamente, eu tinha lá os meus favoritos. Entre os mais educativos, adorava o sobre boas maneiras, não tanto pelo assunto, mas pelas ilustrações com alguns animais. No fundo, acreditava que, me comportando adequadamente, talvez pudesse desfrutar de uma refeição ao lado de um simpático urso pardo de camisa amarela e suspensórios vermelhos. Tá certo que ele parecia oferecer sal ou pimenta para temperar um pedaço de melancia...

 

Os livrinhos que mais me fascinavam eram mesmo os dedicados aos transportes e aos aviões, com uma pitada de otimismo em relação à conquista do espaço.

 



Gostava também do com adivinhações, bem bobinhas talvez para as crianças do século 21.


E havia, ainda, dentro dessa Coleção Mirim, os livrinhos de estórias. Até hoje, sinto falta de um nunca comprado. O personagem principal era o sempre irrequieto Pato Donald. Tudo bem... Quem sabe, então, para compensar, voltar no tempo, imaginando como seria passar o Natal com Tom e Jerry ou, para alegria de um Dom Pixote construtor, repartir um sobrado com Chuvisco, Zé Colmeia, Plic e Ploc.



Olhando a distância para quatro décadas no passado, a gente se dá conta de como era muito fácil ser uma criança de classe média naqueles tempos sem aplicativos, celulares e gadgets.